O Ministério Público Federal (MPF) em Florianópolis instaurou inquérito civil nesta segunda-feira (20) para investigar a atuação do Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), no caso da menina de 11 anos, vítima de estupro, que teve aborto legal negado pela instituição. O HU é cadastrado junto ao Ministério da Saúde como referência para interrupção legal da gestação.
A investigação, a cargo do 7º Ofício da Cidadania do MPF em Florianópolis, será sobre os fluxos e trâmites no HU para a prática do abortamento previsto em lei. Como primeira medida, a recomendação foi expedida no dia 22 à superintendente do HU, Joanita Angela Gonzaga Del Moral, para que garanta a pacientes que procurem o serviço de saúde a realização de procedimentos de interrupção da gestação nas hipóteses de aborto legal, a serem praticados por médico, independentemente da idade gestacional e peso fetal.
O aborto legal não requer qualquer autorização judicial ou comunicação policial, assim como não existem, na legislação, limites relacionados à idade gestacional e ao peso fetal para realização do procedimento.
Encontra-se abrangida pela recomendação a situação, recentemente noticiada, da menina de 11 anos, vítima de estupro, caso venha a procurar o Hospital Universitário e manifeste o consentimento para o aborto através de representante legal. Em se tratando de criança, tem direito à proteção integral, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em razão da urgência, o MPF deu prazo até esta quinta-feira (23), às 12h, para que o HU informe sobre o acatamento da recomendação.
Legislação não prevê limite de 22 semanas para aborto
O Código Penal Brasileiro prevê que "não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal". As hipóteses de aborto legal, previstas no artigo 128, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro prescindem de autorização judicial ou comunicação policial e o aborto deve ser realizado por médico.
Já a Política Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres estabelece que se deve garantir a autonomia das mulheres em situação de violência, não podendo suas decisões serem substituídas por decisões de agentes públicos ou profissionais de saúde.
O MPF afirma que a limitação temporal de 22 semanas de gestação, prevista na norma técnica em que se baseou o HU para não realizar o aborto ("Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes", 3ª ed, 2012) não encontra previsão legal. A negativa de realização do aborto ou exigência de requisitos não previstos em lei nos casos de abortamento legal configura hipótese de violência psicológica, fere o direto à saúde das mulheres, a integridade psicológica e a proibição de submissão a tortura ou a tratamento desumano ou degradante das mulheres e diversos compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O MPF informa que "não se manifestará a respeito do caso específico da menina de 11 anos que sofreu estupro, em razão do segredo de Justiça aplicável, mas irá adotar todas as medidas cabíveis para zelar pelo cumprimento da legislação aplicável, resguardando os direitos de qualquer pessoa que vivencie situação prevista pela norma, no caso, as hipóteses de aborto legal".